Alocução do Papa Pio XII às Garotas da Ação Católica – Cruzada pela Pureza

Alocução do Papa Pio XII às Garotas da Ação Católica
Cruzada pela Pureza[1]

(Felicitações por ter começado a “Cruzada pela Pureza”)

É uma cruzada contra os que minam a moral cristã, contra os perigos que estão criando, no fluxo tranqüilo da boa moral no mundo, poderosas ondas de imoralidade que estão inundando todo o mundo e envolvendo todas as classes sociais. Não é apenas a Igreja que proclama esse perigo existente hoje em toda a parte; mesmo entre os homens que não seguem a fé cristã, aqueles que são mais perspicazes, os mais preocupados com o bem público, têm apontado claramente os perigos terríveis para a ordem social e para o futuro das nações. Os incentivos à impureza, multiplicando-se continuamente, envenenam as bases da vida. E ao mesmo tempo, a atitude indulgente, ou melhor, a atitude negativa de uma parte cada vez maior da opinião pública, tornando-a cega para os mais graves distúrbios morais e relaxa ainda mais as rédeas que mantêm o mal sob controle.

A imoralidade presente é pior do que a de idades precedentes? Seria talvez imprudente afirmar isso, e a pergunta é em todo caso supérflua. Na sua própria época, o autor do Livro de Eclesiastes pôde escrever: “Não digas jamais: Como pode ser que os dias de outrora eram melhores que estes de agora? Porque não é a sabedoria que te inspira esta pergunta. O que foi é o que será: o que acontece é o que há de acontecer. Não há nada de novo debaixo do sol”.[2]

Batalha Cristã

A vida do homem na terra, mesmo na época cristã, permanece sempre uma guerra. Temos que salvar nossas almas e as almas dos nossos irmãos. Hoje, o perigo é certamente maior, porque os meios de excitar as paixões, anteriormente muito restritos, multiplicaram-se enormemente. O progresso na impressão, publicações baratas e luxuosas, fotografia, ilustrações, reproduções artísticas de todas as formas, cores e preços; filmes, espetáculos de variedades e centenas de outros meios apresentam secreta e discretamente as atrações do mal, e as tornam disponíveis a todos — velhos e jovens, mulheres e garotas. Não é verdade que está aí para todo o mundo ver uma moda que é tão exagerada a ponto de dificilmente ser adequada a uma garota cristã? E o cinema não apresenta agora as produções que anteriormente eram apresentadas apenas em locais onde mal se ousava pôr os pés?

Em face de tais perigos, em alguns países, as autoridades públicas têm tomado medidas legislativas ou administrativas para conter a avalanche de imoralidade. Mas essa ação externa vinda até mesmo das autoridades mais poderosas, embora louvável, útil e mesmo necessária, nunca pode por si só trazer os resultados na esfera moral, que são sinceros, fecundos e curadores para a alma. Para curar a alma, um tipo diferente de poder é necessário.

O dever da Ação Católica

A Igreja deve trabalhar pela alma, e da mesma forma a Ação Católica, a sua ação, a serviço da Igreja, em união íntima e sob a direção da Hierarquia, lutando contra os perigos da imoralidade, lutando em qualquer campo que esteja aberto para você: no campo da moda e do vestuário, da saúde e do esporte, no domínio das relações sociais e de entretenimento, suas armas serão a sua palavra, o seu exemplo, a sua cortesia e seu comportamento; armas que põe ante os outros um padrão de ações, que são uma honra para você e sua atividade, e tornam este mesmo padrão possível e louvável para eles.

Não temos a intenção de pintar o triste retrato, apenas muito familiar, dos exageros que você percebe sobre si: vestidos que dificilmente são suficientes para cobrir a pessoa, ou outros que parecem concebidos para enfatizar aquilo que deveria esconder; esportes que são realizados com tais vestuários, tanto exibicionismo e em tais companhias que são irreconciliáveis até mesmo com o padrão menos exigente da modéstia; danças, filmes, peças teatrais, publicações, ilustrações, decoração a partir do qual o desejo louco de entretenimento e prazer produz graves perigos. Ao contrário, nós temos o desejo de trazer à mente mais uma vez os princípios cristãos que iluminem suas decisões nesses assuntos, seus passos e guia de conduta, e inspirem e sustentem sua guerra do espírito.

É realmente uma guerra. A pureza das almas que vivem em estado de graça sobrenatural não é preservada, nem será preservada, sem luta. Felizes são vocês que têm recebido em suas famílias na aurora da vida, do berço, uma vida mais elevada, vida divina, através do batismo. Quando você era bebê não tinha que batalhar, inconsciente de tal grande dom e de tal felicidade — como fazem as almas mais maduras, mas menos afortunadas do que você — para ganhar um tão grande bem: mas você também deve lutar para preservá-lo.

Embora o pecado original tenha sido limpo de suas almas pela ação purificadora da graça santificante que as reconciliou com Deus, tornando vocês filhas adotadas e herdeiras do céu, deixou em vocês uma forma triste da herança de Adão: um desequilíbrio interior, um conflito, que até mesmo o grande apóstolo Paulo sentia. Quando o homem interior alegrou-se na lei de Deus, sentiu outra lei, a lei do pecado nos seus membros, a lei das paixões e das inclinações desordenadas, nunca inteiramente sujeitadas, com a qual o anjo de Satanás trabalha, ajudado pela carne e pelo mundo, para seduzir as almas. Essa é a guerra do espírito e da carne, tão abertamente atestada na revelação, que (se excetuarmos só a Virgem Maria) é inútil pensar que pode haver uma vida humana sem o devido cuidado e luta.

Não se engane, considerando a sua alma insensível à tentação, invencível a atrações e perigos. É verdade que o hábito pode tornar uma alma menos impressionável, sobretudo no caso de uma cujos poderes são absorvidos e totalmente ocupados no exercício de alguma atividade intelectual superior ou profissional. Mas imaginar que todas as almas, tão propensas ao sentimento, podem tornar-se insensíveis às incitações provenientes de imagens que, coloridas pela sedução do prazer, chamam e prendem a atenção, seria supor e julgar que a cooperação no mal que os convites insidiosos encontram no instinto da natureza decaída e desordenada poderiam cessar ou diminuir.

O objetivo de ação comum

Essa luta inevitável você aceita com coragem e espírito cristão. O objetivo da ação comum não pode ser a eliminação total desse combate, mas deve ter por objetivo assegurar que esse necessário conflito espiritual não se torne mais difícil e perigoso para as almas pelas circunstâncias extrínsecas e pela atmosfera em que os corações que sofrem seus ataques devem resistir e lutar.  Nos campos de batalha da Igreja, onde a virtude se opõe ao vício, você encontrará sempre os personagens heróicos novos intrépidos, moldados por Deus: esses, sustentados pela graça, não se abalam nem caem, não importa o quão fortes sejam os golpes; eles podem abertamente conservar-se incorruptos e puros no meio da sujeira que os cerca; eles são, por assim dizer, o fermento no grão bom, e um renascimento para o maior número de almas – esses, também, redimidos pelo sangue de Cristo, que constituem as massas. O objetivo, então, do seu combate deve ser o de tornar menos árdua para os homens de boa vontade a conquista do grau de pureza cristã, a condição de salvação: para garantir que as tentações que surgem do ambiente não excedam os limites da resistência que, com a graça divina, a vitalidade medíocre de muitas almas possa se opor a elas.

Para realizar objetivo tão santo e virtuoso, deve-se agir de acordo com os grupos e correntes de idéias: uma tarefa na qual uma ação conjunta pode operar com grande efeito. Desde que a união faz a força, apenas um grupo compacto, tão numeroso quanto possível, de espíritos cristãos resolutos e não tímidos, será capaz de, sempre que a sua consciência exige, de lançar fora o jugo de certos ambientes sociais, de se libertar da tirania – hoje mais forte do que nunca – de modas de todo tipo: a moda no vestir, a moda no comportamento e nas relações da vida.

Moderação e bom gosto

O movimento da moda em si não é algo mau. Ele flui espontaneamente da natureza social do homem, de acordo com um impulso que o inclina a manter-se em harmonia com seus semelhantes, e com o modo de agir das pessoas entre os quais ele vive. Deus não lhe pede para viver fora do seu tempo, tão descuidado das exigências de forma a tornar-vos ridículos, vestindo-se de maneira oposta ao gosto comum e práticas de seus contemporâneos, sem considerar o que agrada a todos eles.

Por isso mesmo o angélico Santo Tomás afirma que, nas coisas externas que o homem usa, não há mal. Mas o mal vem do homem, que faz uso dessas coisas sem moderação, ou de modo contrário ao uso comum no seu ambiente, tornando-se estranhamente em discórdia para com os outros. Ou então, usando as coisas de acordo com o uso comum, mas na verdade com afeição exagerada, através do uso de muitas roupas pelo orgulho de estar na moda ou pelo prazer, ou analisadas com um cuidado exagerado, quando apenas humildade e simplicidade teriam sido suficientes para garantir o decoro necessário.

E o mesmo santo Doutor vai tão longe e diz que o ornamento da pessoa do sexo feminino pode ser um ato meritório da virtude, quando estiver em conformidade com o estado, a posição da pessoa, e se é feito com boas intenções, e quando as mulheres usam ornamentos que são decentes de acordo com sua posição e sua dignidade, quando eles são governados de acordo com os costumes de seu país. Então ornamentar a si mesmo também se torna um ato da virtude da modéstia, que influencia o modo de andar e de se portar, o modo de vestir, todos os movimentos externos.

Mesmo seguindo a moda, a virtude está no meio. Aquilo que Deus pede é recordar sempre que a moda não é, nem pode ser a regra suprema da conduta; que acima da moda e de suas exigências existem leis mais altas e imperiosas, princípios superiores e imutáveis, que em nenhum caso podem ser sacrificados ao talante do prazer ou do capricho, e diante dos quais o ídolo da moda deve saber inclinar a sua fugaz onipotência. Esses princípios foram proclamados por Deus, pela Igreja, pelos santos e pelas santas, pela razão e pela moral cristãs, assinalados limites, além dos quais não florescem lírios e rosas, nem pairam nuvens de perfumes da pureza, da modéstia, do decoro e da honra feminina, mas aspira-se e domina um ar malsão de leviandade, de linguagem dúbia, de vaidade audaz, de vanglória, não menos de espírito que de traje. São aqueles princípios que Santo Tomás mostra para o ornamento feminino e recorda, quando ensina qual deve ser a ordem de nossa caridade, de nossas afeições: o bem da própria alma deve preceder o do nosso corpo, e à vantagem de nosso próprio corpo devemos preferir o bem da alma de nosso próximo. Não se vê, portanto, que há um limite que nenhuma idealizadora de modas pode fazer ultrapassar, a saber, aquele além do qual a moda se torna mãe de ruína para a alma própria e dos outros?

O sacrifício exige

Algumas jovens dirão talvez que uma determinada forma de vestuário é mais cômoda, e também mais higiênica; mas, se constitui para a saúde da alma um perigo grave e próximo, não é certamente higiênica para o espírito: tem-se o dever de renunciar. A salvação da alma fez heroínas mártires como Inês e Cecília, em meio dos tormentos e lacerações de seus corpos virginais: e não irão vocês, suas irmãs na fé, no amor de Cristo, na estima para virtude, encontrar no fundo de seus corações a coragem e força para sacrificar um pouco do bem-estar — uma vantagem física, se vocês preferem – para conservar segura e pura a vida de suas almas?

E se, por um simples prazer próprio, não se tem o direito de colocar em perigo a saúde física dos outros, não é talvez ainda menos lícito comprometer a saúde, até a própria vida de suas almas? E, se como dizem algumas mulheres, uma moda ousada não deixa nelas impressão alguma, o que sabem elas da impressão que deixarão nos outros? Quem lhes assegura que outros não tirarão disto um incentivo para o mal? Vocês não conhecem bem a fragilidade humana, nem de que sangue de corrupção sangram as feridas deixadas na natureza humana pela culpa de Adão com a ignorância no intelecto, com a malícia na vontade, com a ânsia do prazer e a debilidade para o bem, árduo nas paixões dos sentidos a tal ponto que o homem, como cera amoldável ao mal, “vê o melhor e o aprova, e ao pior se apega”[3], por causa daquele peso que sempre, como chumbo, o arrasta para o fundo. Ó, quão verdade seria se algumas mães cristãs suspeitassem as tentações e quedas que causam aos outros com seus modelos de vestidos e familiaridades em seus comportamentos, que elas inconscientemente consideram de pouca importância: estariam chocadas pela responsabilidade que é sua!

Ao que Nós não duvidamos de acrescentar: oh, mães cristãs, se soubésseis que futuro de perigos e íntimos desgostos, de dúvidas e irreprimível rubor preparais para vossas filhas e filhos, com imprudência em acostumá-los a viver parcamente vestidos, fazendo deles desaparecer o sentido natural da modéstia, vós mesmas enrubesceríeis, e vos horrorizaríeis pela vergonha que causais a vós mesmas e o dano que fazeis aos filhos que vos foram confiados pelo céu, para que crescessem cristãmente. E aquilo que dizemos para as mães, repetimo-lo a não poucas senhoras crentes, e mesmo piedosas, que aceitam seguir esta ou aquela moda arrojada, e com o seu exemplo fazem cair as últimas hesitações que retêm uma turba de suas irmãs que estão longe daquela moda, a qual poderá tornar-se para elas fonte de ruína espiritual. Enquanto certos modos provocantes de vestir permanecem como triste privilégio de mulheres de reputação duvidosa e são quase um sinal que as faz reconhecer, não se ousará, pois, usá-los para si; mas no dia em que aparecerem como ornamentos de pessoas acima de quaisquer suspeita, não se duvidará mais de seguir tal corrente, corrente que arrastará talvez para dolorosas quedas”.

(Exortação a um combate inteligente e corajoso)


[1] Alocução 22 maio 1941. Papal Teaching, The Woman in the Modern Word, St. Paul Editions (1958).
[2] Eclesiastes 7, 10; 1, 9.
[3] Rm 7, 19.

Fonte: Moda e Modéstia