Coração amante de Jesus

Nesta meditação, Santo Afonso fala sobre o Coração amante de Jesus. O amor que Ele nos tem levou-o a se deixar ficar conosco no Santíssimo Sacramento e a fazer-se nosso sustento, afim de se unir a nós e fazer dos nossos corações e o seu próprio, uma só coisa. Por que correspondemos tão mal ao amor de Jesus?

"Ángeles adorando el Corazón de Jesús" - Vicente López Portaña (1795).
“Ángeles adorando el Corazón de Jesús” – Vicente López Portaña (1795).

In caritate perpetua dilexi te: ideo attraxi te miserans — «Com amor eterno te amei; por isso compadecido de ti, te atraí a mim» (Jer 31, 3).

Sumário. Oh, se compreendêssemos o amor de que o Coração de Jesus está abrasado para conosco! Não contente de nos ter criado, de preferência a tantos outros, o Verbo divino chegou a se fazer homem por nosso amor, a escolher uma vida penosíssima e a morrer sobre uma cruz. Este amor levou-o ainda a se deixar ficar conosco no Santíssimo Sacramento, onde parece que não tem outro ofício senão o de amar os homens. Mais: o amor levou-o a fazer-se nosso sustento, afim de se unir a nós e fazer dos nossos corações e o seu próprio, uma só coisa. Porque então correspondemos tão mal ao amor de Jesus?

I. Oh! se compreendêssemos o amor de que o Coração de Jesus está abrasado para conosco! Jesus nos ama tanto que, se todos os homens e todos os anjos se unissem para amar com todas as suas forças, não chegariam à milésima parte do amor que nos tem Jesus. Ele nos ama imensamente mais que nós mesmos nos amamos; Ele nos amou até ao excesso: Dicebant excessum eius, quem completurus erat in Ierusalem (Lc 9, 31) — «Falavam do excesso que havia de cumprir em Jerusalém». E que excesso maior do que um Deus morrer pelas suas criaturas?

Jesus nos amou até ao fim: Cum dilexisset suos, in finem dilexit eos (Jo 13, 1). Sim, porque, depois de nos haver Deus amado desde a eternidade, de forma que em toda a eternidade não houve um instante em que não tenha pensado em nós e amado a cada um de nós; por nosso amor se fez homem e escolheu uma vida penosa e a morte de cruz. Amou-nos, portanto, mais que a sua honra, mais que seu repouso, mais que a vida, porquanto sacrificou tudo para nos provar o amor que nos tem. Não vai nisto um excesso de amor, que fará os anjos e o paraíso todo pasmarem por toda a eternidade?

Foi ainda o amor que levou Jesus a permanecer conosco no Santíssimo Sacramento, como num trono de amor. Ali está sob as aparências de um pouco de pão, encerrado numa âmbula, por assim dizer, num completo aniquilamento da sua majestade, sem movimento e sem o uso dos sentidos; de forma que parece que não tem outro ofício a cumprir senão o de amar aos homens. O amor faz desejar a presença contínua da pessoa amada; pois este amor e este desejo fizeram Jesus Cristo ficar conosco no Santíssimo Sacramento.

Em suma, parece que para o amor de nosso Senhor era demasiadamente breve a permanência com os homens durante trinta anos; pelo que, afim de mostrar seu desejo de estar entre nós, resolveu fazer o maior de todos os milagres, a instituição da Santíssima Eucaristia. Mas, já estava realizada a obra da Redenção, já estavam os homens reconciliados com Deus. Para que servia então a permanência de Jesus na terra neste Sacramento? Ah! Jesus ali fica, porque não se pode separar de nós, dizendo que acha as suas delícias em estar conosco.

II. Mas não foi suficiente ao amor de Jesus Cristo, que na Santíssima Eucaristia se fizesse nosso companheiro;  quis ainda Jesus fazer-se o sustento das nossas almas, afim de se unir a nós e fazer com que nossos corações fossem uma só coisa com o seu próprio: Qui manducat meam carnem, in me manet et ego in illo (Jo 6, 57)  «Quem come a minha carne, fica em mim e eu nele». Ó pasmo! ó excesso do amor divino! Dizia um servo de Deus: «Se alguma coisa pudesse fazer vacilar a minha fé no mistério da Eucaristia, não seria o modo como a pão se torna carne, nem como é que Jesus está em tantos lugares e reduzido a tão pequeno espaço; a tudo isso eu responderia que Deus pode tudo. Mas quando se me pergunta, como Jesus ama aos homens a ponto de se lhes dar para sustento, já não sei mais que responder, senão que esta verdade da fé está acima de minha inteligência e que o amor de Jesus é incompreensível.»

Ó Coração adorável de meu Jesus, Coração consumido pelo amor aos homens, Coração criado de propósito para amar aos homens, como é possível que os homens correspondam tão mal a vosso amor e o desprezem? Ai de mim, miserável, que também fui um desses ingratos que não souberam amar-Vos! Meu Jesus, perdoai-me o grande pecado de não Vos ter amado, a Vós que sois tão amável e tanto me amastes, que nada mais podíeis fazer para me obrigar a amar-Vos. Reconheço que, por ter algum tempo desprezado vosso amor, mereceria ser condenado a não Vos poder amar. Mas não, meu amado Salvador, infligi-me qualquer castigo que não seja este. Dai-me a graça de Vos amar, e depois castigai-me como quiserdes. Como, porém, poderei recear tal castigo, visto que Vos ouço ainda intimar-me o doce, o amável preceito de Vos amar, meu Senhor e meu Deus: Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo (Mt 22, 37) — «Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração».

Sim, meu Deus, desejais o meu amor, e eu Vos quero amar; e não quero amar senão a Vós, que me tendes amado tanto. Ó amor de meu Jesus, Vós sois o meu amor. Ó Coração abrasado de Jesus, abrasai também o meu coração. Não permitais que no futuro eu viva um instante sem o vosso amor. Deixai-me antes morrer; aniquilai-me; não seja o mundo testemunha desta ingratidão, que eu, tão amado de Vós, depois de tantas graças e luzes recebidas, torne a desprezar o vosso amor. Não, Jesus meu, não o permitais. Pelo sangue que por mim derramastes, espero que Vos amarei sempre e Vós sempre me amareis; e que este laço de nosso amor nunca mais será rompido em toda a eternidade. Ó Mãe do belo amor, Maria, vós que desejais tanto ver vosso Jesus amado, ligai-me, estreitai-me a vosso Filho; mas estreitai-me de tal modo, que nunca mais dEle me possa separar. (II 413).


LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Segundo: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p.154-157.

Leia também: