Morte de Jesus (Sexta-feira Santa)

“Contempla como depois de três horas de agonia, pela veemência das dores, as forças faltam a Jesus; entrega o corpo ao próprio peso, deixa cair a cabeça sobre o peito, abre a boca e expira.” Veja o que mais Santo Afonso fala sobre a morte de Jesus…

Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.
Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.

Et inclinato capite, tradidit spiritum — «E inclinando a cabeça, rendeu o espírito» (Jo 19, 30).

Sumário. Contempla como depois de três horas de agonia, pela veemência das dores, as forças faltam a Jesus; entrega o corpo ao próprio peso, deixa cair a cabeça sobre o peito, abre a boca e expira. Alma cristã, dize-me: não merece porventura todo o nosso amor um Deus que, para nos salvar da morte eterna, quis morrer no meio dos mais atrozes tormentos? Todavia, como são poucos os que o amam! E muitos os que, em vez de o amarem, lhe pagam com injúrias e ultrajes.

I. Considera que o nosso amável Redentor é chegado ao fim da sua vida. Amortecem-se-lhe os olhos, o seu belo roso empalidece, o coração palpita debilmente, e todo o sagrado corpo é lentamente invadido pela morte. Vinde, anjos do céu, vinde assistir à morte do vosso Deus. E vós, ó Mãe dolorosa, Maria, chegai-vos mais próxima à cruz, levantai os olhos para vosso Filho, e contemplai-o atentamente, porque está prestes a expirar.

Pater, in manus tuas commendo spiritum meum (Luc 23, 46) — «Pai, em vossas mãos encomendo o meu espírito». É esta a última palavra que Jesus profere com confiança filial e perfeita resignação com a vontade divina. Foi como se dissesse: Meu Pai, não tenho vontade própria; não quero nem viver nem morrer. Se é vossa vontade que eu continue a padecer sobre esta cruz, eis-me aqui, estou pronto para obedecer; em vossas mãos entrego o meu espírito; fazei de mim segundo a vossa vontade. — Tomara que nós disséssemos o mesmo, quando temos alguma cruz, deixando-nos guiar pelo Senhor, conforme o seu agrado. Tomara que o repetíssemos especialmente no momento da morte! Mas para bem o fazermos então, devemos praticá-lo muitas vezes em nossa vida.

Entretanto, Jesus chama a morte, que por deferência não ousava aproximar-se do autor da vida, e lhe dá licença para lhe tirar a vida. E eis que finalmente, enquanto treme a terra, se abrem os túmulos e se rasga o véu do templo, eis que pela veemência da dor faltam as forças ao Senhor moribundo, baixa o calor natural, falha a respiração. Jesus abandona o corpo ao próprio peso, deixa cair a cabeça sobre o peito, abre a boca e expira: Et inclinato capite, tradidit spiritum (Jo 19, 30). — Parti, ó bela alma do meu Salvador, parti e ide nos abrir o paraíso, fechado até agora, ide apresentar-vos à Majestade divina, e alcançai-nos o perdão e a salvação.

As pessoas presentes, voltadas para Jesus Cristo, por causa da força com que proferiu as suas últimas palavras, contemplam-no com atenção silenciosa, veem-no expirar, e notando que não se move mais, dizem: Morreu, morreu. Maria ouve que todos o dizem, e ela também exclama: Ah, Filho meu, já morrestes; estais morto.

II. Morreu! Ó Deus! Quem é que morreu? O Autor da vida, o Unigênito de Deus, o Senhor do mundo. Ó morte, que fizeste pasmar o céu e a natureza! Um Deus morrer pelas suas criaturas! — Vem, minha alma, levanta os olhos e contempla esse homem crucificado. Contempla o Cordeiro divino já imolado sobre o altar da dor; lembra-te de que ele é o Filho dileto do Pai Eterno, e que morreu pelo amor que te tem dedicado. Vê esses braços abertos para te acolherem; a cabeça inclinada para te dar o ósculo de paz; o lado aberto para te receber. Que dizes? Não merece ser amado um Deus tão bom e tão amoroso? Ouve o que do alto de sua cruz te diz o Senhor: Meu filho, vê se há alguém no mundo que te tenha amado mais do que eu, teu Deus!

Ah, meu Jesus, já que para minha salvação não poupaste a vossa própria pessoa, lançai sobre mim esse olhar afetuoso com que me olhastes um dia, quando estáveis em agonia sobre a cruz; olhai-me, iluminai-me, e perdoai-me. Perdoai-me em particular a ingratidão que tive para convosco no passado, pensando tão pouco na vossa paixão e no amor que nela me haveis mostrado. Dou-Vos graças pela luz que me concedeis de compreender através de vossas chagas e de vossos membros dilacerados, como por entre umas grades, o afeto tão grande e tão terno que ainda guardais para comigo.

Ai de mim, se depois de receber estas luzes deixasse de Vos amar, ou amasse outra coisa que não a Vós. Morra eu, assim Vos direi com São Francisco de Assis, morra eu por amor de vosso amor, ó meu Jesus, que Vos dignastes morrer por amor de meu amor. Ó Coração aberto de meu Redentor, ó morada feliz das almas amantes, não vos dedigneis receber agora a minha mísera alma.

Ó Maria, ó Mãe de dores, recomendai-me a vosso Filho, a quem vedes morto sobre a cruz. Vede as suas carnes dilaceradas, vede o seu Sangue divino derramado por mim, e conclui disto quanto lhe agrada que lhe recomendeis a minha salvação. A minha salvação consiste em que eu o ame, e este amor vós m’o deveis impetrar, mas um amor grande, um amor eterno. (* I 623.)


Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p.415-418.