A modéstia I

1º. Virtude encantadora

A modéstia tem tal parentesco e relação com a castidade, que faz parte dela… e, por isso, se assemelha a ela na beleza…, na formosura e encantos divinos que a cercam. A modéstia como a pureza é uma virtude agradabilíssima aos olhos de Deus e também aos  olhos dos homens. Vê como se torna aborrecida a todos uma pessoa atrevida…, desenvolta…, descarada… e sem vergonha. Compara-a com uma outra de aparência tímida e talvez acanhada…, mas envolvida nesse véu celestial de modéstia…, de simplicidade…, de pudor…, de rubor e de simpática vergonha.

É o complemento necessário e indispensável de uma alma pura e, mais ainda, de uma alma virgem. São Francisco de Sales diz que em todos os nossos atos devemos ser sempre muito modestos, pois estamos sempre na presença de Deus e à vista dos seus Anjos. Vê bem como esta virtude recebe do Céu mesmo todo o seu encanto, dignidade e atrativa beleza. E assim compreenderás a razão por que a Santíssima Virgem tanto amava esta virtude. A reverência que sentia para com a majestade de Deus, a quem via e tinha presente na pessoa de Seu Filho…, o amor santo, veneração e respeito profundo que sentia para com a divindade…, a sua perfeitíssima e contínua presença e conversação com Deus, foram a causa de que Ela aparecesse sempre como a Virgem modestíssima… Maria! que modelo de encantadora modéstia! No seu semblante…, no seu olhar…, nos seus modos…, no seu porte, aparecia uma santa gravidade de seriedade acompanhada de uma inexplicável suavidade e de uma doçura celestial e divina. Assim era a sua modéstia… grave e simpática ao mesmo tempo… uma modéstia rigorosa que não admite o mais pequeno descuido, mas sempre natural e simples… sem violência nem ridicularias…, afável e atraente sem leviandades nem gracejos…, sem soberba nem desconfiança. Todos os que a viam ficavam absortos naquela modéstia e recato que nada tinha de taciturno nem de melancólico. Jamais se viu n’Ela a mais pequenina inconveniência nem a mínima incorreção… Que beleza tão harmoniosa em todo o seu ser, produzida por esta tão encantadora modéstia!

2º. Virtude protetora

A modéstia é a virtude protetora da castidade…, é a sua melhor defensora…, e o baluarte natural da pureza. Não é possível ter uma alma pura, sem que todos os sentidos estejam refreados e regulados pela modéstia. A vista, o ouvido, a imaginação, são outras tantas portas que se deixam abertas… ou se abrem deliberadamente a todas as impressões que a elas chegam…, facilmente entrará por elas o pecado e a morte derivados da concupiscência.

Além disso a modéstia isola-nos e separa-nos da vida do mundo e facilita a vida de fervor, evitando a dissipação que produz o derramamento dos sentidos, convertendo a alma como que num templo onde Deus habita e com quem tem grande familiaridade. Assim amava Maria a sua modéstia, como a salvaguarda do seu virginal coração…, como meio melhor de desprender-se de todos os atrativos exteriores…, como o modo mais prático de viver toda a só para Deus. E como manifestação desta sua profunda modéstia, contempla com fervor aquela vergonha…, aquele rubor… mais que angelical, que circunda o seu semblante. Contempla-A diante do Arcanjo na sua Anunciação, surpreendida pela vista inesperada daquele encantador mancebo…, e ainda que Maria sabe que é um Anjo… e ainda que nada possa temer…, contudo, ruboriza-se…, tinge-se de carmim o seu rosto…, perturba-se… e presta, com essa perturbação uma homenagem à sua imaculada pureza e à sua virginal modéstia. Ah! como é simpática esta vergonha que assim sobe ao rosto, de quem possui um coração inocente, delicado…, puro e modesto! Vê aquele jovem que se chamou Estanislau Kostka, ruborizar-se…, envergonhar-se de tal modo, ao ouvir uma palavra inconveniente…, uma expressão grosseira ou malsoante…, a ponto do seu coração fazer subir ao rosto todo o seu sangue…, ficar sem vida e cair desmaiado. De quem aprendeu ele esta delicadeza…, esta esquisita sensibilidade senão de sua Mãe?… d’Aquela a quem não podia deixar de amar pois que era sua Mãe? A modéstia…, a vergonha…, o rubor, é o distintivo do homem… Entre os animais não se dá isto…, nem mesmo entre os homens que chegaram a esse estado de rebaixamento irracional próprio do pecado animal e sensual. A modéstia e a vergonha são a barreira que se levanta entre o homem e o animal…: e por isso mesmo a vergonha, na presença do animal, ruboriza as faces com o que se chamou a púrpura da castidade, que é o rubor. Pede a tua Mãe esta santa vergonha…, este encantador rubor que demonstra ao mundo a tua paixão pela pureza…, pela castidade…, pela modéstia que a defende.

3º. Virtude edificante

Quão formosa e edificante aparece a todos os olhos a modéstia!… É qualquer coisa que arrasta…, que se impõe…, que se pega aos outros… Todos os pecados feitos na presença do próximo podem servir de escândalo e de mau exemplo…, mas entre todos, o pecado impuro é o que mais serve para escandalizar e o que com mais razão tem este nome de escândalo. Do mesmo modo, todas as virtudes podem servir de edificação ao próximo, mas a modéstia leva a palma… Que pode haver de maior edificação que a modéstia no falar…, no rir…, no andar… em todo o porte de uma alma que assim se nos mostra no exterior? Ninguém olhou para Maria que não se edificasse e se não convencesse de que era a modéstia virginal a que arrastava a quantos a contemplavam, a amá-La… e excitava em todos uma grande e irresistível afeição à virtude e à santidade.

Conta-se que S. Francisco de Assis, que pregava somente com a sua presença humilde e modesta e que movia o seu recolhimento e gravidade à devoção, ao louvor de Deus… Que não diremos da Santíssima Virgem? Que constante e eficaz a sua pregação!… Seria essa uma das obras de zelo apostólico a favor das almas… O seu exemplo era, sem dúvida, a suave e delicada e por vezes irresistível maneira de difundir e até de impor aos outros, compostura e recato nas palavras…., modos e atitudes, etc. Quem se atreveria, em sua presença, a proceder de outro modo? Por que não A imitas nisto? Por que não te impões também para que difundas em volta de ti o amor à pureza e à modéstia…, e para que todos saibam que na tua presença não se pode proceder…, falar… ou apresentar-se de modo incorreto e inconveniente?


D. ILDEFONSO RODRIGUEZ VILLAR. Pontos de Meditação sobre as Virtudes de Nossa Senhora. Tradução revista pelo Padre Manuel Versos Figueiredo, S. J. (s. e.) Porto, 1946, p.134-137.

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