A PAIXÃO DE CRISTO: Era necessário Cristo ter sofrido pela libertação do gênero humano?

Neste texto, Santo Tomás de Aquino trata sobre se realmente era necessário Jesus Cristo ter sofrido todos os sofrimentos da sua Santíssima Paixão pela libertação do gênero humano. Leia o artigo e veja o que o Doutor Angélico ensina sobre isto.

Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.
Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.

O termo necessário tem várias acepções, como ensina o Filósofo no livro V da Metafísica. Pela primeira, é impossível alguma coisa ser diferente daquilo que é segundo sua natureza. É claro então que não foi necessário Cristo ter sofrido, nem por parte de Deus nem parte do homem.

Noutra acepção, algo pode ser necessário por um motivo externo. Tratar-se-á de uma necessidade de coação, se esse motivo externo for causa eficiente ou motriz; é o que acontece quando alguém é impedido de andar porque outro o segura à força. Se o motivo externo que gera a necessidade for um fim, diz-se que algo é necessário porque supõe esse fim, ou seja, quando um determinado fim de modo algum puder existir, ou não o for convenientemente a não ser que algo o suponha.

Não foi, pois, necessário que Cristo sofresse, por necessidade de coação, nem por parte de Deus, que estabeleceu que Cristo sofresse, nem por parte do próprio Cristo, que sofreu por vontade própria.

Mas esse sofrimento foi necessário por necessidade de fim. O que pode ser entendido de três modos.

1. Primeiro, quanto a nós, que por sua paixão fomos libertados, como diz o Evangelho de São João (Jo 3): “É preciso que o Filho do Homem seja levantado, a fim de que todo aquele que nele crê não pereça e tenha a vida eterna”.

2. Segundo, quanto ao próprio Cristo, que mereceu a glória da exaltação pelo abatimento da paixão. É o que diz o Evangelho de São Lucas (Lc 24, 26) a propósito: “Não era preciso que o Cristo sofresse isso para entrar em sua glória?”

3. Terceiro, quanto a Deus, que estabeleceu a paixão de Cristo, anunciada nas Escrituras e prefigurada nas observâncias do Antigo Testamento. É o que diz o Evangelho de São Lucas (Lc 22, 22): “Eis as palavras que eu vos dirigi quando ainda estava convosco: é preciso que se cumpra tudo o que foi escrito sobre mim na lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” e “E porque foi escrito: convinha que o Cristo sofresse e ressuscitasse dos mortos”.

[…] Ad tertium. Deve-se dizer que foi conveniente tanto à misericórdia como à justiça divina ser o homem libertado pela paixão de Cristo. À justiça porque, por sua paixão, Cristo deu satisfação pelo pecado do gênero humano e assim o homem, pela justiça de Cristo, foi libertado. À misericórdia porque, não podendo o homem, com suas forças, dar satisfação pelo pecado de toda natureza humana, […], Deus lhe deu seu Filho para cumprir essa satisfação. É o que diz a Carta aos Romanos (3, 24-25): “São gratuitamente justificados por sua graça, em virtude da libertação realizada em Jesus Cristo. Foi a ele que Deus destinou para servir de expiação, por meio da fé”. O que se tornou uma misericórdia mais abundante do que se tivesse perdoado os pecados sem satisfação. Por isso, diz também a Carta aos Efésios (2, 4-5): “Deus é rico em misericórdia; por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos, deu-nos a vida com Cristo”.

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Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q.46, a.1.