“Ó grande Amor, o que fizestes? Viestes para curar e me feristes? Viestes para me ensinar a viver e me tornastes semelhante a um louco? Ó sábia loucura, não viva mais eu sem vós!” Veja o que mais Santo Afonso fala nesta belíssima meditação sobre como devemos retribuir o amor de Deus.
Como vos pagarei, ó Cristo, esse vosso amor? É justo que sangue se pague com sangue. Seja eu banhado com esse sangue e cravado nessa cruz. Recebe-me também em teus braços, ó santa cruz. Alarga-te, coroa de espinhos, para que eu coloque em ti minha cabeça. Cravos, deixai as mãos inocentes de meu Senhor e transpassai meu coração de compaixão e amor. Jesus, São Paulo diz que vossa morte foi para que vos apoderásseis dos vivos e dos mortos, não pelos castigos mas pelo amor: “Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor dos mortos e dos vivos”[1].
Roubador dos corações, a força de vosso amor estraçalhou nossos corações tão duros. Inflamastes todo o mundo no vosso amor. Senhor da sabedoria, inebriai nossos corações com esse vinho, abrasai-os com esse fogo, feri-os com essa flecha de vosso amor. A vossa cruz é arco e flecha que ferem os corações. Saiba todo o mundo que tenho o coração ferido.
“Ó grande Amor, o que fizestes? Viestes para curar e me feristes? Viestes para me ensinar a viver e me tornastes semelhante a um louco? Ó sábia loucura, não viva mais eu sem vós! Senhor, quando vos vejo na cruz, tudo me convida a amar: o madeiro, a vossa pessoa, as feridas de vosso corpo e principalmente o vosso amor. Tudo me convida a vos amar e a não me esquecer mais de vós”[2].
Para se chegar ao amor perfeito de Cristo é preciso empregar os meios adequados. Eis os meios que nos ensina Santo Tomás[3]:
I) ― Recordar-se continuamente dos benefícios divinos, gerais e particulares.
II) ― Considerar a infinita bondade de Deus que está sempre nos fazendo o bem. Sempre nos ama e procura ser amado por nós.
III) ― Evitar com cuidado tudo o que o desagrada, por mínimo que seja.
IV) ― Renunciar a todos os bens sensíveis deste mundo: riquezas, honras e prazeres dos sentidos.
O Padre Thauler acrescenta ainda: meditar sua paixão é um poderoso meio para obter o perfeito amor a Jesus Cristo[4].
Quem pode negar que a devoção à paixão de Jesus Cristo é a devoção mais útil, a mais terna e a mais cara a Deus? Devoção que mais consola os pecadores e mais anima as pessoas que amam? De onde recebemos tantos bens, senão da paixão de Cristo? De onde temos a esperança de perdão, a força contra as tentações, a confiança de chegar ao paraíso? De onde vêm tantas luzes da verdade, tantos convites de amor, tantos estímulos para mudar de vida, tantos desejos de nos doar a Deus, senão da paixão de Cristo? São Paulo tinha razão em chamar de condenado aquele que não ama a Jesus Cristo: “Se alguém não ama o Senhor, seja condenado!”[5].
Diz São Boaventura: “Se quereis progredir no amor de Deus, meditai todos os dias a Paixão do Senhor. Nada contribui tanto para a santidade das pessoas como a Paixão de Cristo”[6]. E dizia já Santo Agostinho: “Vale mais uma lágrima derramada ao lembrar da Paixão, do que o jejum a pão e água em cada semana”[7]. É por isso que os santos se ocuparam tanto em meditar as dores de Cristo.
São Francisco de Assis tornou-se um grande santo com esse meio. Um dia, foi encontrado chorando e gritando em alta voz. Perguntaram-lhe o porquê.
― “Choro as dores e as humilhações do meu Senhor. O que mais me faz chorar é que os homens, por quem ele sofreu tanto, vivem esquecidos dele”. Dizendo isso, soluçava mais ainda ao ponto de também cair em prantos a pessoa que o interrogava. Quando ouvia o balido de um cordeiro, ou de outra coisa que lhe lembrava Jesus Sofredor, vinham-lhe as lágrimas. Estando doente, alguém o aconselhou a ler um livro piedoso. Ele respondeu: “Meu livro é Jesus Crucificado”. Por isso é que exortava seus confrades a pensar sempre na paixão de Jesus Cristo[8]. “Quem não se enamora de Deus, vendo Cristo morto na cruz, não se abrasará jamais”[9].
Oração
Verbo Eterno, gastastes trinta e três anos de suores e privações. Destes o sangue e a vida para salvar os homens, nada poupando para vos fazerdes amados por eles. Como pode haver homens que, sabendo disto, ainda não vos amam? Ó Deus, eu me encontro no número destes ingratos. Compreendo o mal que fiz. Jesus, tende piedade de mim. Ofereço-vos este meu coração: ingrato, mas arrependido. Arrependo-me, sobretudo, caro Redentor, de vos haver desprezado. Arrependo-me e vos amo com toda minha alma.
Minha alma, ama a um Deus amarrado como um réu por ti, flagelado como escravo por ti, feito rei e escárnio por ti, um Deus finalmente morto na cruz como um criminoso por ti. Sim, meu Salvador e meu Deus, eu vos amo, eu vos amo. Recordai-me sempre o que sofrestes por mim, para que não mais me esqueça de vos amar.
Cordas que amarrastes a Jesus, prendei-me com Jesus. Espinhos que coroastes Jesus, feri-me de amor para com Jesus. Pregos que transpassastes Jesus, pregai-me na cruz de Jesus a fim de que eu viva e morra unido com Jesus. Sangue de Jesus, inebriai-me de santo amor. Morte de Jesus, fazei-me morrer a todo afeto terreno. Pés transpassados de meu Senhor, eu vos abraço; livrai-me do inferno que tenho merecido. Jesus, no inferno não poderei vos amar, mas eu quero vos amar sempre. Querido Salvador, salvai-me, uni-me a vós e não permitais que eu vos perca!
Maria, refúgio dos pecadores, Mãe de meu Salvador, ajudai a um pecador que deseja amar a Deus e se recomenda a vós. Socorrei-me pelo amor que tendes a Jesus Cristo.
[1] Rm 14, 9.
[2] S. João de Ávila, Trattati del SS. Sacramento dell’Eucaristia, t. I, no. 14-18.
[3] Sto. Tomás de Aquino, Opusc. de Dilect. Dei, § 1.
[4] J. Thauler, O.P., Epistola 20: Sermones de Festis, Institutiones, cum Epistolis aliquot.
[5] 1 Cor 16, 22.
[6] S. Boaventura, Stimulus amoris, p. I, c. 1.
[7] S. Bernardino de Bustis, Rosarium sermonum per Quadragesimam, p. 2, s. 15.
[8] S. Boaventura, Legenda Sancti Francisci, c. 8, n°. 6; c. 13, n°. 3; c. 5, n°. 8.
[9] Tiepolo, Le considerazioni della Passione di N. S. Gesù Cristo, t. 10, Med. 37.
Santo Afonso Maria de Ligório. A prática do amor a Jesus Cristo. 7a. Edição. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1996, p. 20-24.