“O Filho de Deus baixou do céu à terra por amor das almas, […], e afinal chegou a derramar por elas o seu preciosíssimo sangue. Julgai, por estas razões, quão amargo é o desgosto que os escandalosos causam a Jesus Cristo; por lhe roubarem e mesmo matarem tantas filhas tão diletas.” Veja o que mais Santo Afonso fala nesta meditação sobre o pecado de escândalo.
Videte ne contemnatis unum ex his pusillis ― «Vede, que não desprezeis um só destes pequeninos» (Mt 18, 10).
Sumário. O Filho de Deus baixou do céu à terra por amor das almas, levou durante trinta e três anos uma vida de privações, e de trabalhos, e afinal chegou a derramar por elas o seu preciosíssimo sangue. Julgai, por estas razões, quão amargo é o desgosto que os escandalosos causam a Jesus Cristo; por lhe roubarem e mesmo matarem tantas filhas tão diletas. Para não amargurarmos mais esse Coração amabilíssimo, guardemo-nos de dar mau exemplo ao nosso próximo, ainda que seja em coisas leves.
I. Umas das coisas que mais afligiram o Coração de Jesus, durante a sua vida terrestre, e que haviam de afligi-lo ainda no céu, se ali houvesse tristeza, é o pecado de escândalo. Para compreender isso, devemos considerar quão cara é a Deus cada alma de nossos próximos. Criou-as ele à sua imagem e semelhança (Gen 1, 26), e amando-as desde a eternidade, criou-as para que fossem rainhas no paraíso, onde há de torná-las participantes de sua própria felicidade e dar-se-lhes a si mesmo em galardão: Ego ero merces tua magna nimis (Gen 15, 1) ― «Eu serei o teu galardão infinitamente grande».
Depois, o que não tem feito, o que não tem padecido o Verbo incarnado por amor dessas almas, para remi-las da escravidão do demônio, na qual caíram pelo pecado? Chegou a nada menos do que a dar por elas o seu sangue e a sua vida. se, em vez de uma só morte, seu Pai lhe tivera exigido mil; se, em vez de ficar três horas na cruz, tivera de ficar nela até o dia do juízo; se afinal tivera de sofrer para salvação de cada um , o que padeceu para salvação de todos os homens juntos, Jesus Cristo não teria hesitado em fazer tanto. Tão grande é o amor que ele tem às almas. ― Julgai por aí, quão amargo desgosto causam ao Coração de Jesus os escandalosos, que lhe fazem perder tantas almas, roubam-lhe e assassinam tantas filhas tão diletas. Diz São Bernardo, que a perseguição que o Senhor sofre da parte daqueles pérfidos algozes, é mais cruel do que a que sofreu da parte dos que o crucificaram.
Tendo os filhos de Jacob vendido a José, apresentaram ao pai a túnica deste tingida no sangue de um cabrito, dizendo-lhe: Vide utrum tunica filii tui sit (Gen 37, 32) ― «Vê se é ou não a túnica do teu filho». Do mesmo modo nos podemos figurar que, quando uma pessoa peca, induzida ao pecado por um escandaloso, os demônios apresentam a Deus o vestido daquela pessoa, tingida do sangue de Jesus Cristo, isto é, a graça perdida por aquela alma escandalizada. Se Deus pudesse chorar, choraria então mais amargamente do que Jacob, dizendo: Fera pessima devoravit eum (Gen 37, 33) ― «Uma fera péssima a devorou».
II. Afim de não afligirmos mais o Coração de Jesus, guardemo-nos, especialmente nestes dias, de darmos ao próximo qualquer escândalo ou mau exemplo, não somente em coisas graves, senão também nas leves. Abstenhamo-nos sobretudo e sempre de toda palavra que possa ofender a bela virtude, lembrando-nos que uma palavra indecente, muito embora dita de gracejo, pode ser causa de mil pecados. ― Se no passado tivemos a desgraça de dar, de qualquer modo, ao próximo ocasião de pecado, saibamos que o Coração aflito de Jesus exige de nós uma rigorosa satisfação, reparando ao menos pelo bom exemplo o mal que fizemos.
Meu amabilíssimo Jesus, eu também sou um daqueles desgraçados cujo mau exemplo encheu de amargura o vosso divino Coração. Ah Senhor! como pudestes sofrer tanto por mim, prevendo as injúrias que Vos havia de fazer? Mas já que me suportastes até este momento, e quereis a minha salvação, dai-me uma grande dor de meus pecados, uma dor que iguale à minha ingratidão.
Senhor, odeio e detesto sumamente os desgostos que Vos causei. Se no passado desprezei a vossa graça, agora estimo-a mais do que todos os reinos da terra. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, e de todo o meu coração. Não quero mais viver senão para Vos amar e fazer que os outros também Vos amem. Vós mesmo abrasai-me cada vez mais em vosso amor, lembrando-me sempre, quanto fizestes e padecestes por mim. ― A mesma graça, peço a vós, ó Maria! Suplico-vos que m’a alcanceis, pela dor que o vosso divino Filho sentiu e que vós mesma sentistes pela previsão dos escândalos do mundo. (*III 440.)
Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 257-259.