“Porque havemos de ter inveja dos grandes do mundo? Se estamos na graça de Deus, participamos da sua própria natureza; somos, […] um com ele e de momento a momento podemos adquirir tesouros imensos de merecimentos para a eternidade.” Veja o que mais Santo Afonso explica sobre os efeitos que a divina graça produz em nós.
Infinitus theasaurus est hominibus; quo qui usi sunt, participes facti sunt amicitiae Dei ― «Ela é um tesouro infinito para os homens; do qual os que usaram têm sido feito participantes da amizade de Deus»
Sumário. Porque havemos de ter inveja dos grandes do mundo? Se estamos na graça de Deus, participamos da sua própria natureza; somos, por assim dizer, um com ele e de momento a momento podemos adquirir tesouros imensos de merecimentos para a eternidade. A nossa alma é então tão bela aos olhos do Senhor, que põe nela a sua complacência. Tudo isto Jesus Cristo no-lo mereceu pela sua Paixão; e por isso devemos prestar-lhe contínuas ações de graças.
I. No dizer de Santo Tomás de Aquino, o dom da graça é superior a todos os dons que uma criatura possa receber, porque a graça é a participação da própria natureza de Deus. Já antes tinha São Pedro dito o mesmo: Ut per haec (promissa) efficiamini divinae consortes naturae (II Pe 1, 4) ― «Para que por elas (as promessas) vos torneis participantes da natureza divina». Tal é a dignidade que Jesus Cristo nos mereceu pela sua paixão: ele nos comunicou o mesmo resplendor que recebeu de Deus (Jo 17, 22). Numa palavra, quem está na graça de Deus, forma, de certo modo, uma pessoa com Deus: Unus spiritus est (I Cor 6, 17) ― «É um espírito com ele». E, como disse o Redentor, na alma que ama a Deus, vem habitar a Santíssima Trindade: Ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus (Jo 14, 23) ― «Viremos a ele, e faremos nele morada».
É tão bela aos olhos de Deus a alma em estado de graça, que ele próprio lhe faz o elogio: Como és formosa amiga minha, como és formosa! (Cant 4, 1) Parece que Deus não pode apartar dela os olhos, nem cerrar os ouvidos a nenhum dos seus pedidos: Oculi Domini super iustos, et aures eius ad preces eorum (Sl 33, 16) ― «Os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos abertos aos rogos deles». Dizia Santa Brígida que nenhum homem poderia ver a beleza de uma alma na graça de Deus, sem morrer de alegria. E Santa Catarina de Sena, tendo visto uma alma assim, afirmou que de boa mente daria a vida para que nunca aquela alma perdesse tamanha beleza. Por isso a mesma Santa beijava a terra que os sacerdotes pisaram, pensando que pelo seu ministério as almas eram colocadas na graça de Deus.
Além disso, que tesouros de merecimentos não pode ajuntar a alma em estado de graça! Cada instante pode adquirir uma glória eterna, porquanto, como diz Santo Tomás, qualquer ato de amor produzido pela alma merece um paraíso aparte.
Porque temos então inveja dos grandes do mundo? Estando na graça de Deus, podemos adquirir continuamente grandezas muito mais altas no céu.
II. A paz de que ainda na terra goza a alma em estado de graça, só pode ser compreendida por aquele que a provou: Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus (Sl 33, 9) ― «Provai e vede quão suave é o Senhor». Não pode deixar de ser cumprida a palavra do Senhor: Gozam muita paz os que amam a divina lei (Sl 118, 165). A paz do que vive unido com Deus, excede todas as doçuras que nos podem advir dos sentidos ou do mundo: Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (Fl 4, 7).
Ó meu Jesus, Vós sois o bom pastor que se deixou matar para nos dar a vida, a nós, vossas ovelhas. Quando eu fugia de Vós, não deixastes de correr atrás de mim e de me procurar; recebei-me, agora, que Vos procuro e que volto arrependido a vossos pés. Restitui-me a graça, que miseravelmente perdi por minha culpa. De todo o coração me arrependo e quisera morrer de dor, quando penso nas inúmeras vezes que Vos voltei as costas. Perdoai-me pelos merecimentos da morte cruel que por mim padecestes na cruz.
Prendei-me com os doces laços do vosso amor e não permitais que outra vez me afaste de Vós. Dai-me forças para sofrer com paciência todas as cruzes que me envieis, visto ter merecido as penas eternas do inferno. Fazei que abrace com amor os desprezos que me possam vir dos homens, visto ter merecido estar eternamente sob os pés dos demônios. Fazei, numa palavra, com que obedeça em tudo às vossas inspirações e vença, por vosso amor, qualquer respeito humano. ― Resolvido estou a servir de hoje em diante somente a Vós. Digam os outros o que quiserem; eu quero amar somente a Vós, meu Deus amabilíssimo, só a Vós quero agradar; mas dai-me o vosso auxílio sem o qual nada posso. Amo-Vos, † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, de todo o coração, e confio em vosso Sangue. ― Maria, minha esperança, ajudai-me com as vossas orações. Glorio-me de ser vosso servo, e vós vos gloriais de salvar os pecadores que a vós recorrem; socorrei-me, pois, e salvai-me. (II 87.)
Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 321-324.