“Para nos exortar à paciência, Jesus Cristo levou uma vida de sofrimentos contínuos, e é a exemplo de Jesus que todos os santos abraçaram as tribulações com alegria, […].” Veja o que mais Santo Afonso fala nesta meditação para a Festa da Exaltação da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mihi absit gloriari, nisi in cruce Domini nostri Iesu Christi; per quem mihi mundus crucifixus est, et ego mundo — «De mim esteja longe o gloriar-me, senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo; por quem o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo» (Gal 6, 14).
Sumário. Esta terra é um lugar de merecimentos e, portanto, também de sofrimentos. Para nos exortar à paciência, Jesus Cristo levou uma vida de sofrimentos contínuos, e é a exemplo de Jesus que todos os santos abraçaram as tribulações com alegria, de modo que nenhum deles chegou à glória senão por um caminho semeado de espinhos. Que vergonha para nós! adoramos a santa Cruz, gloriamo-nos de combater sob este estandarte triunfante, de ser herdeiros dos santos, e somos-lhes tão dessemelhantes! Há de ser sempre assim?… Senhor, enviai-me as cruzes que as minhas culpas merecem, mas dai-me também força para carregá-las com paciência.
I. Esta terra é um lugar de merecimentos, e por isso também de sofrimentos. A pátria na qual Deus nos preparou o descanso em gozo eterno, é o paraíso. É pouco o tempo de passar aqui, mas nesse pouco tempo são muitos os sofrimentos a suportar. De ordinário, quando a Providência divina destina alguém a coisas grandes, prova-o também por meio de maiores adversidades. — Um dia Jesus Cristo apareceu à Bem-aventurada Batista Varani e disse-lhe que há três benefícios escolhidos que concede às almas suas prediletas: o primeiro é o de não pecar; o segundo o de praticar boas obras; o terceiro e maior de todos, o de fazê-la sofrer por amor dele.
Mais belas ainda são as palavras que o mesmo Jesus Cristo dirigiu a Santa Teresa: «Minha filha», disse-lhe, «pensas porventura que o merecimento está em gozar? não, está em padecer e amar. Crê, pois, minha filha, que aquele que é mais amado de meu Pai, recebe dele maiores sofrimentos; e o pensar que sem sofrimentos ele admite alguém à sua amizade é uma pura ilusão». — Sendo, porém, que a natureza humana por si mesma aborrece tanto os sofrimentos, o Verbo Eterno, diz São Pedro, baixou do céu à terra para nos ensinar a carregar as nossas cruzes com paciência: Christus passus est pro nobis, vobis relinquens exemplum, ut sequamini vestigia eius (I Pe 2, 21).
Jesus Cristo quis, portanto, sofrer par anos animar ao sofrimento, e não só no tempo da sua Paixão, mas durante toda a sua vida. Qual foi a vida do Redentor sobre esta terra? Volve-a, diz São Boaventura, e revolve-a quanto quiseres, desde o princípio até o fim e sempre acharás Jesus pregado na cruz: Volve et revolve, et non invenies eum nisi in cruce. Com efeito, todo o tempo, desde o momento em que tomou a natureza humana até ao seu último suspiro, foi um sofrimento contínuo. — Que vergonha para nós, que nos gloriamos de seguirmos Jesus Cristo e lhe somos tão dessemelhantes! Adoramos a cruz do Senhor, celebramos as suas festas, gloriamo-nos de combater sob este estandarte triunfante, e somos tão ávidos de prazeres! Há de ser sempre assim?
II. Animados pelo exemplo de Jesus Cristo, os santos sempre consideraram as adversidades como um tesouro escondido, estimaram-nas mais do que uma partícula do santo Lenho, sobre o qual o Senhor morreu pela nossa salvação. Quantos jovens nobres, quantas donzelas, mesmo de sangue real, distribuíram entre os pobres todas as suas riquezas, renunciaram às comodidades, às honras e dignidades do mundo, e entraram num mosteiro, para abraçarem a Jesus Cristo e subirem com ele ao Calvário, por um caminho semeado de espinhos!
O Senhor, porém, que nunca se deixa vencer em generosidade e quis recompensar já nesta terra aquelas almas generosas, tornou-lhes muito suaves os frutos da árvore da cruz, que se regozijavam no meio das tribulações; e talvez nunca um mundano se mostrasse tão ávido de prazeres, como os santos o foram de sofrimentos.
Santa Teresa, não querendo viver sem cruzes, exclamava: Ou sofrer, ou morrer. Santa Maria Madalena de Pazzi, ao pensar que no céu não há mais sofrimento, dizia: Sofrer e não morrer. Quando certo dia Jesus Cristo perguntou a São João da Cruz, qual a recompensa que desejava por tudo o que por amor dele tinha sofrido, respondeu: Senhor, não desejo senão mais sofrimentos, mas sofrimentos acompanhados de humilhações e desprezos: Domine, pati et contemni pro te[1].
Meu irmão, não sejas do número daqueles loucos que se assustam à vista da cruz e fogem dela, porque lhe conhecem somente o exterior. Tu, ao contrário, «prova e vê quão suave é o Senhor» — Gustate et videte, quoniam suavis est Dominus (Sl 33, 9). Abraça de boa vontade as tribulações que o Senhor te queira enviar, considera atentamente as vantagens que delas te provêm, e também tu dirás: Vale mais uma hora de sofrimentos suportados com resignação na vontade de Deus, do que todos os tesouros da terra. — Quando a natureza se revolta contra os sofrimentos, lancemos, para nossa animação, um olhar sobre o Crucifixo e digamos com o Apóstolo: Compatimur, ut et conglorificemur (Rm 8, 17) — «Padecemos com Jesus, para também com ele sermos glorificados».
Sim, meu Jesus, é o que com o vosso auxílio proponho fazer. Se Vós, posto que inocente, quisestes sofrer tanto por mim, e não entrastes na glória senão pelo caminho dos sofrimentos, como poderia eu, pecador como sou e digno de mil infernos, recusar o sofrimento? Ah, Senhor, enviai-me as cruzes que quiserdes, mas dai-me também força para as carregar com paciência por vosso amor. — «E Vós, ó Deus, que no presente dia nos alegrais com a anual solenidade da exaltação da santa Cruz: concedei-me que, conhecendo na terra este mistério, mereça no céu os prêmios da sua Redenção»[2] — Fazei-o pelo amor de Jesus e Maria. (* I 768.)
[1] Lect. Brev. Rom.
LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Terceiro: desde a duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p.360-363.