Festa do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo (1 de Julho)

“O Senhor podia obter-nos a salvação sem sofrer; pois que uma só lágrima, uma só oração teria sido bastante para salvar um infinidade de mundos. Afim de nos patentear, porém, o seu amor, quis derramar o seu Sangue até à última gota, no meio das mais atrozes dores.” Veja o que mais Santo Afonso fala para a Festa do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.
Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.

Redemisti nos Deo in sanguine tuo… et fecisti nos Deo nostro regnum «Remiste-nos para Deus como teu sangue… e fizeste-nos para nosso Deus reino» (Apoc. 5, 9).

Sumário. O Senhor podia obter-nos a salvação sem sofrer; pois que uma só lágrima, uma só oração teria sido bastante para salvar um infinidade de mundos. Afim de nos patentear, porém, o seu amor, quis derramar o seu Sangue até à última gota, no meio das mais atrozes dores. Como é que os homens respondem a um tão grande amor?… Mostremo-nos ao menos nós gratos para com esse Coração amabilíssimo, e para reparar as ofensas que lhe tenhamos feito habituemo-nos a oferecer muitas vezes ao Eterno Pai este preço da nossa Redenção.

I. Considera imenso amor que o Filho de Deus nos mostrou, remindo-nos ao preço de seu divino Sangue. Podia salvar-nos sem sofrer; pois que uma só lágrima, um só suspiro, até uma só oração, sendo de valor infinito, teria sido o suficiente para salvar o mundo e até mil mundos. Mas o que bastava para a Redenção, diz São João Crisóstomo, não bastava para patentear o amor que Deus nos tinha; tanto mais que ele quis fazer-se ao mesmo tempo o nosso guia e o nosso mestre: Remiste-nos para Deus com o teu sangue.

Para nos ensinar pelo seu exemplo a obediência às ordens do Pai, também a custo de sacrifícios, Jesus começou a derramar o seu precioso sangue, quando tinha oito dias apenas, sob o cutelo da circuncisãoAlém disso, para nos ensinar a domarmos as nossas paixões rebeldes, e ao mesmo tempo a nos conformarmos em tudo com a vontade divina, mesmo com sacrifício da vida, continuou a derramá-lo no horto das oliveiras, numa agonia mortal e com tamanha abundância que corria sobre a terra: Factus est sudor eius sicut guttae sanguinis decurrentis in terram (Luc. 22, 44) — «Veio-lhe um suor, como de gotas de sangue que corria sobre a terra». — Para reparar a delicadeza com que tratamos o nosso corpo, e mais ainda as nossas satisfações indignas, os nossos pensamentos de soberba e luxúria, Jesus Cristo quis derramar seu sangue no pretório de Pilatos sob os golpes de uma cruel flagelação e de uma bárbara coroação de espinhos.

Finalmente, depois de haver tinto com o seu sangue o caminho do Calvário, para nos ensinar que o caminho do céu é o dos sofrimentos; depois de o haver derramado ainda copiosamente pelas mãos e pés, deixando-se crucificar afim de reparar o abuso da nossa liberdade; vendo por um lado que o coração humano é a raiz viciada de todos os males, e por outro, que no seu coração restavam ainda poucas gotas de seu precioso sangue, quis derramá-las também, permitindo que o seu lado sacrossanto fosse aberto por uma lançada: Unus militum lancea latus eius aperuit (Jo. 19, 34) — «Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança».

Ainda não satisfeito com tudo isso, quis o Senhor, mesmo depois da sua morte e até à consumação dos séculos, preparar-nos com o seu Sangue um banho para as nossas almas no sacramento da Penitência, e no da Eucaristia dar-no-lo como bebida para refazer as nossas forças. — Ó invenções admiráveis do amor de um Deus para com os homens! Mas de que modo respondemos nós a tão grande amor?

II. Para mostrares a tua gratidão para com Jesus, e também para desagravá-lo de tantas ofensas que recebe, nutre uma devoção particular pelo seu precioso Sangue. Quando meditares na Paixão do Senhor, chega-te em espírito a ele e pede-lhe que te tinja com o seu Sangue divino. No tribunal da penitência, imagina ver na pessoa do Confessor a pessoa mesma do Redentor, que, dando-te a absolvição, derrama esse sangue sobre a tua alma, e na recepção da comunhão ou na celebração da missa, afigura-te que chegas teus lábios ao lado sagrado de Jesus. Habitua-te sobretudo a oferecer frequentes vezes ao Pai Eterno o Sangue preciosíssimo de Jesus Cristo, em desconto de teus pecados, pelas necessidades da santa Igreja, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas do purgatório[1].

Ó Sangue preciosíssimo de vida eterna, prelo e resgate do mundo inteiro, bebida e banho salutar das nossas almas, que continuamente defendeis a causa dos homens junto do trono da suprema misericórdia, eu vos adoro profundamente e quereria, quanto me é possível, compensar-vos das injúrias e dos ultrajes que recebeis constantemente dos homens e principalmente daqueles que levam a audácia até de proferir blasfêmias contra vós. E quem não bendirá este Sangue de um valor infinito? Quem se não sentirá inflamar de amor por Jesus que o derramou? Que seria de mim, se não fosse resgatado por este Sangue divino? Quem o tirou das veias do meu Senhor até à última gota? Ah, que foi sem dúvida o amor. Ó amor imenso, que nos destes um bálsamo tão salutar! Ó bálsamo inestimável, brotado da fonte de um amor infinito, fazei que todos os corações e todas as línguas vos louvem, glorifiquem e agradeçam agora e sempre e por toda a eternidade[2].

«E Vós, ó Pai Eterno, que estabelecestes o vosso Filho unigênito como Redentor do mundo, e quisestes ser apalado pelo seu sangue, concedei-nos propício que, durante a minha vida terrestre, eu venere solenemente este preço da nossa salvação, e seja por ele livrado de todo o mal da vida presente, de tal modo que eu mereça gozar no céu o seu fruto perpétuo»[3]. Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.


[1] Indulgência de 100 dias cada vez.

[2] Indulgência de 300 dias.

[3] Or. festi.


LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Segundo: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 351-354.