“Assim como o divino Redentor, a Santíssima Virgem pode ser também chamada Filha primogênita de Deus. Primogênita na ordem da natureza; […]. Primogênita na ordem da graça; […]. Primogênita na ordem da glória; […].” Veja o que mais Santo Afonso fala das grandezas de Maria Santíssima nesta belíssima meditação!
Ego ex ore Altissimi prodivi, primogenita ante omnem creaturam — «Eu saí da boca do Altíssimo, a primogênita antes de toda a criatura» (Eclo 24, 5)
Sumário. Assim como o divino Redentor, a Santíssima Virgem pode ser também chamada Filha primogênita de Deus. Primogênita na ordem da natureza; porque na criação do universo, depois da glória de si mesmo e de Jesus Cristo, o Senhor teve em mira a de Maria. Primogênita na ordem da graça; porque mais do que qualquer outro foi cheia de todas as graças celestiais. Primogênita na ordem da glória; por ser a Rainha de todos os Santos. Façamos um ato de fé acerca de todas estas grandezas da divina Mãe; demos graças a Deus em seu nome e pelos nossos obséquios procuremos desagravá-la de todos os ultrajes que recebe.
I. É com razão que a Igreja põe na boca da Santíssima Virgem este elogio da divina Sabedoria: Eu saí da boca do Altíssimo como a primogênita; porquanto, semelhante a Jesus Cristo, ela é verdadeiramente a Filha primogênita de Deus, na ordem da natureza, da graça e da glória.
Primogênita na ordem da natureza, não quanto ao tempo, mas, como afirma São Bernardo, quanto à intenção; porque o eterno Artífice, projetando a formação do universo, dirigiu tudo, depois da sua própria glória e depois da de Jesus Cristo, para a glória de Maria. — Por isso se diz de Maria que ela não somente escolheu as coisas mais excelentes, mas dentre as coisas mais excelentes a ótima parte; porque o Senhor a dotou, em grau supremo, de todos os dons gerais e particulares conferidos às demais criaturas: Optimam partem elegit[1].
Maria é também a primogênita de Deus na ordem da graça; porque, sendo destinada a ser Mãe de Deus, foi, desde o primeiro instante de sua imaculada Conceição, tão enriquecida de graças, que levava vantagem a todos os anjos e santos juntos. — Nem deixou o grande cabedal de graças desaproveitado; mas, como estivesse dotada do uso perfeito da razão desde o seio de sua mãe, começou desde logo e continuou sempre a fazê-lo rendoso, e mesmo, como dizem os teólogos, a duplicá-lo em cada momento de sua longa vida. De sorte que ela pode dizer com verdade: Senhor, se não Vos amei tanto como o mereceis, ao menos Vos amei quanto me foi possível.
Se é certo, como é certíssimo, que Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras[2], segue-se que a Bem-aventurada Virgem é a primogênita de Deus também na ordem da glória; gozando, em contraste dos outros Santos, uma beatitude plena e completa sob todos os pontos de vista. «De tal modo», diz São Basílio, «que, como o esplendor do sol, a nosso ver, excede o brilho de todas as estrelas juntas, assim a glória da divina Mãe é superior a de todos os Bem-aventurados». — Façamos um ato de viva fé, e regozijemo-nos com Maria pela sua tríplice primogenitura; em seu nome demos graças a Deus. Ao mesmo tempo congratulemo-nos conosco, porque a grandeza de uma Mãe redunda em honra e vantagem dos filhos: Gloria filiorum patres eorum[3].
II. Apesar de ser a Filha primogênita de Deus na ordem da natureza, da graça e da glória, Maria Santíssima é pouco, mui pouco venerada pela maior parte dos homens. Nem mesmo faltam homens desnaturados que chegam ao excesso de blasfemar contra ela. — Se nos quisermos mostrar dignos filhos de tão grande Mãe, não basta que nos abstenhamos de a ofender; devemos também, quanto estiver a nosso alcance, espalhar por palavras e exemplos a sua devoção, e reparar as ofensas que lhe são feitas. Digamos-lhe, portanto, com amor:
† «Gloriosíssima Virgem, Mãe de Deus e nossa Mãe, Maria, volvei o vosso olhar piedoso a nós, pobres pecadores, que, aflitos pelos muitos males que nos cercam na vida presente, sentimos dilacerar-se o nosso coração ao ouvir as injúrias e blasfêmias atrozes que muitas vezes ouvimos vomitar contra vós, ó Virgem imaculada. Oh! quanto ofendem aquelas palavras ímpias à Majestade infinita de Deus e de seu Filho unigênito, Jesus Cristo! Quanto provocam a sua indignação e nos fazem temer os efeitos terríveis de sua vingança! Se com o sacrifício de nossa vida pudéssemos impedir tantos ultrajes e blasfêmias, sacrificá-la-íamos de boa vontade, porque, ó Mãe Santíssima, desejamos amar-vos e venerar-vos de todo o coração, já que é esta a vontade de Deus. E porque vos amamos, faremos quanto nos for possível, para que de todos sejais honrada e amada.
Entretanto, ó Mãe piedosa, soberana consoladora dos aflitos, aceitai este ato de reparação que vos oferecemos em nosso nome e no de todos os nossos; também por todos aqueles que, não sabendo o que dizem, blasfemam impiamente contra vós; afim de que, impetrando de Deus a conversão deles, torneis mais patente e gloriosa a vossa piedade, o vosso poder, a vossa grande misericórdia; e eles se unam conosco para vos proclamar a bendita entre as mulheres, a Virgem imaculada, a piedosíssima Mãe de Deus».[4]
[1] Off. Assumpt.
[2] Rom 2, 6.
[3] Prov 17, 6.
[4] Quem rezar este Ato de reparação, ajuntando-lhe três Ave Maria, ganha uma indulgência de 300 dias, e se o rezar cada dia, uma indulgência plenária uma vez por mês, debaixo das condições de costume.
Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Terceiro: desde a duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p.19-22.