“As almas desapegadas são aquelas águias magnânimas que se elevam acima de todas as coisas criadas e têm pelo afeto sua morada continua no céu.” Veja o que mais Santo Afonso diz nesta belíssima meditação sobre Jesus no Santíssimo Sacramento!
Ubicumque fuerit corpus, illuc congregabuntur et aquilae — «Por toda a parte onde se achar o corpo, aí se reunirão as águias» (Luc. 17, 37)
Sumário. As almas desapegadas são aquelas águias magnânimas que se elevam acima de todas as coisas criadas e têm pelo afeto sua morada continua no céu. Ainda na terra elas acham o seu paraíso na presença de Jesus sacramentado, e nunca se fartam de visitá-Lo e fazer-lhe companhia. Se nós também quisermos achar nossas delícias no divino Sacramento, desapeguemos nosso coração de nós mesmos e de todos os bens terrestres; e quando cometermos alguma falta, refugiemo-nos logo em nosso divino Salvador, afim de que nos purifique.
I. Por este corpo os Santos entendem comumente o de Jesus Cristo, e pelas águias entendem as almas desapegadas, que se elevam, como estas aves, acima das coisas da terra, e voam para o céu, para onde tendem sem cessar por seus pensamentos e afetos, e onde têm a sua morada continua. Estas águias ainda na terra acham seu paraíso, onde quer que achem a Jesus sacramentado, e parece que nunca se podem fartar de o visitarem e de ficarem na sua presença. —Se as águias, diz São Jerônimo, percebendo o cheiro de alguma presa logo se lançam para a tomar, com quanto maior ardor devemos nós correr e voar para Jesus no Santíssimo Sacramento, como para o mais precioso alimento dos nossos corações?
Os Santos, neste vale de lágrimas, correram sempre com avidez, como cervos sequiosos, para esta fonte celeste. A grande serva de Deus, Maria Diaz, que viveu no tempo de Santa Teresa, obteve do bispo de Ávila licença para morar numa tribuna da igreja, onde ficava continuamente na presença de Jesus sacramentado, a quem chamava seu vizinho. O venerável frei Francisco do Menino Jesus, carmelita descalço, passando diante das igrejas onde estava o Santíssimo Sacramento, não podia deixar de entrar nelas para o visitar, dizendo que não convém a um amigo passar diante da casa de seu amigo sem entrar ao menos para saudá-Lo e dizer-lhe uma palavra.
Finalmente, o Padre Alvarez, qualquer que fosse a sua ocupação, dirigia muitas vezes os olhos para o lado onde sabia que repousava o Santíssimo Sacramento; frequentemente o visitava, e passava algumas vezes noites inteiras na sua presença. Derramava lágrimas vendo os palácios dos grandes cheios de gente, para fazerem corte a um homem, de quem esperam algum mísero bem; e tão abandonadas as igrejas, onde reside no meio de nós, como num trono de amor, o soberano Senhor do céu, rico de bens infinitos e eternos. Dizia que são muito felizes os religiosos que na sua própria casa podem visitar, quantas vezes querem, de noite e de dia, este augusto Senhor no Santíssimo Sacramento; o que não é dado às pessoas do século.
II. Procuremos visitar frequentemente a Jesus sacramentado; e, para acharmos as nossas delícias na sua divina presença, desprendamos nosso coração de todos os bens criados, porquanto é indigno das consolações celestiais aquele que vive escravo dos prazeres dos sentidos. — Quando cometemos alguma falta, recorramos logo a este divino Sacramento, para ficarmos limpos: porque aí está a fonte predita pelo Profeta, a fonte aberta a todos, onde podemos, quantas vezes quisermos, ir purificar nossas almas de todas as manchas, que todos os dias contraímos pelo pecado: Haverá uma fonte aberta para a casa de Davi, para nela serem lavadas as manchas do pecador[1].
Sim, ó meu Jesus, assim proponho fazer; mas Vós, dai-me a força para o executar. Confesso, ó Senhor, que, à vista de minhas manchas e ingratidões, não me devia atrever a chegar-me a Vós; mas já que me convidais com tanta bondade, não quero desalentar-me por causa das minhas misérias. A Vós compete mudar-me completamente; bani da minha alma todo o amor que não é para Vós, todo o desejo que não Vos é agradável, todo o pensamento que não tende para Vós, — Meu Jesus, meu amor, meu tesouro, só a Vós quero contentar, só a Vós quero agradar. Só Vós mereceis todo o meu amor, só a Vós quero amar de todo o meu coração. Desapegai-me de tudo mais, Senhor, e ligai-me só a Vós; mas ligai-me tão bem, que não possa mais separar-me de Vós, nem nesta nem noutra vida.
Ó Maria, vós tanto desejais ver amado vosso divino Filho! Se me amais, eis aqui a graça que vos peço e que me haveis de impetrar: obtende-me um grande amor a Jesus sacramentado, e fazei com que eu não ame senão a Jesus. Vós alcançais tudo o que pedis; atendei-me, pois, e rogai por mim. Impetrai-me também um grande amor para convosco, que sois a criatura mais amante, a mais amável e a mais amada de Deus. (*I 389.)
[1] Zac. 13, 1.
LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Segundo: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 242-244.