O pecado renova a Paixão de Jesus Cristo

“Quem comete o pecado, contraria todos os desígnios amorosos de Jesus Cristo, inutiliza para si os frutos da Redenção, e, como diz São Paulo, pisa o Filho de Deus aos pés, despreza e profana seu sangue e renova a sua paixão e morte.” Veja o que mais Santo Afonso fala nesta meditação.

Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.
Cena do Filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Foto: Reprodução.

Rursum crucifigentes sibimet ipsis Filium Dei, et ostentui habentes ― «Eles outras vez crucificam o Filho de Deus para si próprios, e o expõe à ignomínia» (Heb 6, 6)

Sumário. Quem comete o pecado, contraria todos os desígnios amorosos de Jesus Cristo, inutiliza para si os frutos da Redenção, e, como diz São Paulo, pisa o Filho de Deus aos pés, despreza e profana seu sangue e renova a sua paixão e morte. Portanto, especialmente neste tempo de carnaval o Senhor é cada dia crucificado milhares de vezes. Imagina que são tantos os Calvários quantos são os antros do pecado. Ai, meu pobre Senhor!

I. Considera a grandíssima injúria que o pecado mortal faz à Paixão de Jesus Cristo. O intuito do Filho de Deus, em fazer-se homem, foi tirar o pecado do mundo; a este fim, como diz Isaías, colimavam todos os seus pensamentos, palavras, obras e sofrimentos: Et iste omnis fructus, ut auferatur peccatum (Is 27, 9) ― «Este é todo o seu fructo, que seja tirado o pecado». Pois bem, quem peca, inutiliza para si este grande fruto da Redenção, e contraria assim todos os desígnios e intentos amorosos do Redentor. ― Se o pecado é acompanhado de escândalo, contraria-os também para os outros, fechando, por assim dizer, em despeito de Cristo, para si e para o próximo, as portas do céu e abrindo as do inferno.

Mais, o pecador, como diz São Paulo, pisa aos pés o Filho de Deus, despreza e profana o seu preciosíssimo Sangue, chega até ao excesso de renovar a sua crucifixão e morte: Rursum crucifigentes sibimet ipsis Filium Dei ― «Crucificando outra vez o Filho de Deus para si próprios». Isto, na interpretação de Santo Tomás, se verifica de duas maneiras. Primeiro, pecando se faz aquilo pelo que Jesus Cristo foi crucificado, a saber, o pecado. Portanto, se a morte do senhor não houvera sido suficiente para expiar os pecados todos, fora conveniente, pelo encargo de Redentor, que tomou sobre si, que se deixasse crucificar tantas vezes quantos são os pecados cometidos. Em segundo lugar, pelo pecado comete-se uma ação mais abominável aos olhos de Jesus e mais dolorosa para seu Coração, do que todos os opróbrios e penas padecidas na sua Paixão, e por isso de boa vontade quisera tornar a sofrê-las afim de impedir um só pecado mortal.

É assim que, especialmente neste tempo de carnaval, o Senhor é crucificado pelos pecadores milhares de vezes cada dia. Imagina, pois, que são tantos os Calvários, quantos são os antros do pecado, ou melhor, quantas são as almas pecadoras, ah, meu pobre Redentor!

II. Na vida de Santa Margarida Alacoque se lê que num dos dias que antes de principiar a Quaresma são consagrados ao prazer, Jesus Cristo se lhe mostrou todo rasgado de feridas e coberto de sangue. Tinha a cruz nos ombros e com voz triste e queixosa disse: «Não haverá ninguém que tenha compaixão de mim, e queira compartilhar comigo as dores que sofro por causa dos pecadores, especialmente nestes dias?» Ouvindo isso, a Bem-aventurada lançou-se aos pés de seu divino Esposo, e ofereceu-se a sofrer em união com ele, pelo que o Senhor a carregou de uma cruz pesadíssima.

Imitemos na medida de nossas forças s Santa Margarida, desagravando o Coração de Jesus. Nestes oito dias ouçamos com devoção uma missa, façamos ao menos uma comunhão reparadora, e, não só com o nosso exemplo, mas também com palavras, excitemos os outros a fazerem o mesmo. No correr do dia digamos muitas vezes: † Meu Jesus, misericórdia[1]. Enquanto os outros só pensam em distrair-se com divertimentos mundanos, procuremos, mais do que de ordinário, fazer companhia a Jesus sacramentado, ou recolhidos em nossa casa aos pés de Jesus Cristo, compadecer-nos dele pelas muitas ofensas que lhe são feitas.

Tenhamos por certo que estes obséquios são muito agradáveis ao Coração divino, mas, para que lhe sejam mais agradáveis ainda, formemos a intenção de os unirmos com os merecimentos do Redentor e de toda a corte celestial, dizendo muitas vezes: † «Eterno Pai, nós Vos oferecemos o sangue, a paixão e a morte de Jesus Cristo, as dores de Maria Santíssima e de São José, para satisfação de nossos pecados, em sufrágio das almas do purgatório pelas necessidades da santa Madre Igreja e pela conversão dos pecadores»[2].


[1] Indulg. de 300 dias cada vez.

[2] Indulg. de 100 dias. ― Aos obséquios indicados podem acrescentar-se os seguintes:

1º. Percorrer cada dia as estações da Via Sacra, ou sufragar de outra forma aquelas almas do purgatório que em vida mais se esforçaram por desagravar a Jesus Cristo, no tempo de carnaval.

2º. Em todo este tempo fazer com mais perfeição e fervor as ações ordinárias, em particular as que se referem diretamente ao serviço de Deus.

3º. Finalmente, visto que Deus é ofendido especialmente pelos excessos no beber e comer, e pelos pecados de impureza, mortificar mais do que em outros tempos o apetite, tanto na qualidade como na quantidade da comida, e, com licença do Diretor, alguma penitência corporal.


Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 267-269.