São Tomás de Aquino: Exposição sobre o Credo » Ao terceiro dia ressurgiu dos mortos

É necessário que creiamos que Nosso Senhor Jesus Cristo se fez homem, morreu e ressurgiu dos mortos. Por isto é professado no Credo: Ao terceiro dia ressurgiu dos mortos. Veja o que Santo Tomás de Aquino explica sobre este dogma de fé católico.

"A Ressurreição" - Carl Heinrich Bloch
“A Ressurreição” – Carl Heinrich Bloch

É necessário, pois, que creiamos não apenas que Ele se fez homem e que morreu, bem como ressurgiu dos mortos.

Por que esse motivo é professado no Credo: Ao terceiro dia ressurgiu dos mortos[1].

Lemos nos Evangelhos que muitos ressuscitaram dos mortos, como Lázaro, o filho da viúva e a filha do chefe da Sinagoga. Mas a Ressurreição de Cristo difere daquelas e de outras, em quatro aspectos.

Primeiro, devido à causa da ressurreição, porque os outros que ressuscitaram, não ressuscitaram por próprio poder, mas pelo poder de Cristo ou das orações de algum santo. Cristo ressuscitou por próprio poder, porque não era apenas homem, mas também Deus, e a divindade do Verbo jamais se separou nem da sua alma, nem do seu corpo. Por isso, o corpo reassumia a alma e a alma o corpo, quando queria. Lê-se: Tenho poder para entregar a minha alma, bem como para a reassumir (Jo 10,18). Bem que tenha sido morto, não o foi por fraqueza ou por necessidade, mas, espontaneamente. Isto é verdade, porque quando Cristo entregou o seu espírito, deu um grito. Os outros, porém, que morrem, não o podem dar, porque morrem por fraqueza. O centurião exclamou no Calvário: Ele era verdadeiramente o Filho de Deus (Mt 27,54). Como Cristo por sua própria força entregou a alma, reassumiu-a também por própria força. Por isso é dito no Credo – ressuscitou e não – foi ressuscitado, como se o fosse por outro. Lê-se nos Salmos: Dormi, caí em profundo sono e ressurgi (Sl 3,6). Não há, porém, contradição entre este texto e o dos Atos dos Apóstolos: Este Jesus, ressuscitou-O Deus (At 2,32), porque o Pai O ressuscitou, e o Filho também O ressuscitou, já que a virtude do Pai e a do Filho são a mesma virtude.

Difere, em segundo lugar, devido à vida que fora ressuscitada. Cristo ressuscitou para a vida gloriosa e incorruptível, conforme se lê na Carta aos Romanos: Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai (Rm 6,4). Os outros, para a mesma vida que antes possuíam, como se verificou em Lázaro e nos outros ressuscitados.

Difere ainda a Ressurreição de Cristo da dos outros quanto à sua eficácia e quanto ao seu futuro, porque foi em virtude daquela que todos ressuscitaram. Lê-se: Muitos corpos dos Santos que dormiam ressuscitaram (Mt 27,52). Cristo ressurgiu dos mortos, primícia dos que dormem (I Cor 15,20).

Vede bem que Cristo pela Paixão chegou à glória, conforme está escrito em São Lucas: Não foi conveniente que Cristo assim padecesse, para poder entrar na sua glória? (Is 24,26), para nos ensinar como podemos chegar à glória: Por muitas tribulações devemos passar para entrar no reino de Deus (Mt 14,21).

A quarta diferença é relativa ao tempo, porque a ressurreição dos outros foi retardada para o fim dos tempos, a não ser que tenha sido concedida por privilégio, como a da Virgem Santa, e, conforme se crê piedosamente, a de São João Evangelista. Cristo, porém, ressuscitou ao terceiro dia porque a sua Ressurreição e a sua Morte realizaram-se para a nossa salvação, e, Ele, portanto, só quis ressurgir quando fosse isso vantajoso para nossa salvação. Ora, se ressuscitasse imediatamente após a morte, não se acreditaria que Ele tivesse morrido. Se fosse demasiadamente protelada a ressurreição, os discípulos não perseverariam na fé, e nenhuma utilidade teria a sua Paixão. Lê-se nos Salmos: Que utilidade haveria em ter eu derramado o sangue, se desci ao lugar da corrupção? (Sl 29,10). Ressuscitou no terceiro dia para que se acreditasse na sua morte e para que os discípulos não perdessem a fé.

Sobre o que acabamos de expor, podemos fazer quatro considerações para nossa instrução.

Primeiro, que devemos nos esforçar para ressurgirmos espiritualmente da morte da alma, contraída pelo pecado, para a vida da justificação que se obtém pela penitência. Escreve o Apóstolo: Surge, tu que dormes, ressurge dos mortos, e Cristo e iluminará (Ef 5,14). Esta é a primeira ressurreição da qual nos fala o Apocalipse: Feliz o que teve parte na primeira ressurreição (Ap 20,6).

Segundo, que não devemos protelar este nossa ressurreição da morte, mas realizá-la já, porque Cristo ressuscitou no terceiro dia. Lê-se: Não tardes na conversão para o Senhor, e não a delongues dia por dia (Ecle 5,8). Por que estás agravado pela fraqueza, não podes pensar nas coisas da salvação, e porque perdes parte de todos os bens que te são concedidos pela Igreja, incorre em muitos males, perseverando no pecado. Como disse o Venerável Beda, o diabo, quanto mais tempo possui uma pessoa, tanto mais dificilmente a deixa.

Terceiro, que devemos também ressurgir para a vida incorruptível, de modo que não mais morramos, isto é, que devemos perseverar no proposito de não mais pecar. Lê-se na Carta aos Romanos: Assim também vós vos considereis mortos para o pecado, vivendo para Deus em Cristo Jesus. Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo, obedecendo-lhes as concupiscências; não exibais os vossos membros como armas de maldade para o pecado, mas deveis vos exibir a vós mesmos para Deus como vivos que saíram da morte (Rm 6,9;11-13).

Quarto, que devemos ressurgir para uma vida nova e gloriosa evitando tudo o que antes nos foi ocasião e causa de morte e de pecado. Lê-se na Carta aos Romanos: Como Cristo ressuscitou de entre os mortos pela glória do Pai, também nós devemos andar na novidade de vida (Rm 5,4). Esta vida nova é a vida de justiça, que renova a alma e a conduz para a glória. Amém.


[1] São Tomás serve-se da doutrina hilemórfica para explicar a reunião da alma ao corpo de Cristo, na Ressurreição. O corpo de Cristo conservou, após a morte, a sua unidade devido à Pessoa do Verbo à qual estava unido, e, por isso, não se corrompeu (cf. Suma Teológica, III, q.50, a.5). Sendo a alma a sua forma substancial e princípio da vida humana, refez-se a natureza humana de Cristo pela re-união da alma com o corpo. Não havia uma forma intermediária entre o corpo e alma de modo que a Ressurreição só se deu ao terceiro dia, quando a alma de Cristo assumiu (informou, vivificou) o seu corpo.

“O corpo de Cristo tombou pela morte, enquanto foi separado da alma, que era a sua perfeição formal. Para que houvesse verdadeira Ressurreição de Cristo, era conveniente que o mesmo corpo de Cristo pela segunda vez se re-unisse à mesma alma. E porque a verdadeira natureza do corpo vem da forma, deve-se concluir que depois da Ressurreição o corpo de Cristo era o verdadeiro, e da mesma natureza do primeiro. Se o seu corpo fosse fantástico, não teria havido verdadeira Ressurreição, mas apenas aparente.” (Suma Teológica, III, q.54, a.1c).

“O corpo de Cristo na Ressurreição foi da mesma natureza, mas de diferente glória. Portanto, tudo o que pertence à natureza do corpo humano estava totalmente no corpo de Cristo Ressuscitado. É evidente que pertencem à natureza do corpo humano as carnes, os ossos, o sangue, etc. Por isso, todas estas coisas estavam no corpo de Cristo Ressuscitado, integralmente e sem diminuição alguma. De outro modo, não haveria perfeita Ressurreição: se não fosse reintegrado tudo o que se separou pela morte.” (Suma Teológica, III, q.54, a.2c).


Santo Tomás de Aquino. Exposição sobre o Credo. Tradução e notas: D. Odilão Moura, OSB. 4ª Edição. São Paulo: Edições Loyola, 1997, p.54-57.