Dos poucos que amam a cruz de Cristo

“Tem Jesus muitos que amam seu reino celeste; poucos, porém, que levem a sua cruz. […]. Muitos amam a Jesus, enquanto não lhes sobrevêm adversidades. […].” Veja o que mais Tomás e Kempis fala nesta meditação sobre os poucos que amam a cruz de Cristo…

1. Tem Jesus muitos que amam seu reino celeste; poucos, porém, que levem a sua cruz.

Tem muitos sedentos de consolações, raros de tribulações.

Encontra numerosos companheiros de sua mesa, poucos de sua abstinência.

Todos desejam gozar com ele; poucos querem sofrer alguma coisa por seu amor.

Muitos acompanham a Jesus até o partir do pão, raros até o beber do cálice de sua paixão.

Muitos veneram os milagres; poucos seguem as ignomínias da cruz.

Muitos amam a Jesus, enquanto não lhes sobrevêm adversidades.

Se, porém, Jesus se oculta e os deixa, por algum tempo, entregam-se a lamentos ou a excessivo desânimo.

2. Aqueles, porém, que amam a Jesus por Jesus e não por causa de sua própria consolação, louvam-no tanto nas tribulações e angústias, como na maior consolação.

E, se nunca lhes quisesse dar conforto, sempre o louvariam e dariam ações de graças.

3. Oh! Quanto pode o puro amor de Jesus, sem mistura de interesse e amor próprio!

Não devem, porventura, ser chamados mercenários os que estão sempre a procurar consolações?

Não manifestam que amam a si mais que a Jesus os que, de contínuo, cuidam de suas comodidades e de seus interesses?

Onde se encontrará quem queira servir a Deus gratuitamente?

4. Raras vezes se encontra alguém tão espiritual que esteja desapegado de todas as coisas.

Quem encontrará o verdadeiro pobre de espírito, inteiramente desprendido das criaturas? É um tesouro precioso que se deve procurar nos confins da terra.

Se um homem der toda a sua fortuna, ainda é nada.

Se fizer penitência, ainda é pouco.

Se adquirir toda a ciência, está longe ainda.

Se tiver grande virtude e devoção fervorosa, mesmo assim muito lhe falta; falta-lhe uma coisa que lhe é sumamente necessária.

Qual? Que, deixadas todas as coisas, se deixe a si mesmo, saia, totalmente, de si e nada conserve de amor próprio.

E quando tiver feito tudo que devia fazer, reconheça que nada fez.

5. Não tenha em muito que o avaliem por tão grande, antes se declare, sinceramente, servo inútil, conforme diz a mesma verdade: Depois que tiverdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: «Somos servos inúteis» (Lc 17,10).

Então, sim, chegará a ser, verdadeiramente, pobre de espírito e poderá dizer com o profeta: Pobre sou e só no mundo.

Ninguém, contudo, mais rico, mais poderoso e mais livre do que aquele que sabe deixar-se a si mesmo e a todas as coisas e colocar-se no último lugar.

REFLEXÕES

Devemos amar a Deus por Deus mesmo, e não por causa da alegria que experimentamos em o servir: porque, se nos retirasse as suas consolações, que viria a ser esse amor mercenário? Quem se busca ainda em alguma coisa, não sabe amar.

Vê o teu modelo, contempla Jesus, não se buscou nunca a si mesmo. “Cristo não agradou a si mesmo”, diz S. Paulo (Rom 15,3).

Sacrificou tudo por ti, sossego, vida, até sua vontade: “Não se faça como eu quero, dizia a seu pai, mas como vós quereis” (Mt 26, 39).

Sofreu tudo com paciência e resignação até o suplício da cruz e o desamparo do Pai: “Meu Deus! Por que me desamparastes?” (Ibid., 27,46).

Entremos a seu exemplo, no espírito de sacrifício; e, separados de hoje em diante de todo o interesse próprio, aceitemos, com igual serenidade, os bens e os males, as penas e as alegrias, de sorte que, não tendo outros pensamentos, nem outros desejos senão os de Jesus, sejamos “consumados com ele naquela união perfeita”, que, depois de deixar este mundo, ele pediu por nós a seu Pai, como o último e o maior de seus dons (Jo 17, 23).

Oh! Quem pudera dizer como S. Paulo: “Vivo eu, mas já não eu, porque vive em mim Cristo!”


KEMPIS, T. Imitação de Cristo. 24ª. Edição. São Paulo: Paulus, 1976, p. 146-150.