A Pena dos Sentidos no Inferno

“É com razão que o inferno é chamado um lugar de tormentos, porque ali todos os sentidos e todas as faculdades do condenado terão o seu tormento próprio; e quanto mais tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá de sofrer nesse sentido.” Veja o que mais Santo Afonso fala nesta meditação.

“Quantum glorificavit se et in deliciis fuit, tantum date illi tormentum et luctum” – “Quanto se glorificou e esteve em delícias, tanto lhe dai de tormento e pranto” (Apoc. 18, 7).

Sumário: É com razão que o inferno é chamado um lugar de tormentos, porque ali todos os sentidos e todas as faculdades do condenado terão o seu tormento próprio; e quanto mais tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá de sofrer nesse sentido. Meu irmão, vê se a vida que levas te inspira confiança de não caberes naquele abismo. Quantos cristãos meditaram no inferno como tu, mas, porque não quiseram romper com o pecado e abusaram da divina misericórdia, estão agora queimando ali para sempre!

I. É um ponto da fé que há um inferno, horrível prisão destinada a punir os que se revoltaram contra Deus. O que é o inferno? Um lugar de tormentos: lucus tormentorum, como o chama o mau rico condenado (Luc. 16, 28). É um lugar de tormentos, onde todos os sentidos e todas as faculdades do condenado terão o seu tormento próprio, e quanto mais alguém tiver ofendido a Deus com algum dos sentidos, tanto mais terá a sofrer neste mesmo sentido: Quantum in deliciis fuit, tantum date illi tormentum.

A vista será atormentada pelas trevas. Que compaixão não sentiríamos, se soubéssemos que um pobre homem está encerrado num cárcere escuro por toda a vida, por quarenta ou cinqüenta anos! O inferno é um abismo fechado de todos os lados, onde nunca penetrará um raio de sol ou de qualquer outra luz. O fogo mesmo que na terra ilumina, no inferno deixará de ser luminoso, tão somente arderá.

O olfato terá também o seu suplício. Quanto não sofreríamos se estivéssemos num quarto junto com um cadáver em putrefação? De cadaveribus eorum ascendet foetor (Is. 34, 3) – De seus cadáveres levantar-se-á grande fedor”. O condenado deve ficar no meio de milhões e milhões de cadáveres, vivos com relação aos sofrimentos, mas verdadeiros cadáveres pelo mau cheiro que exalam. Diz São Boaventura que o corpo de um só condenado, se fosse atirado à terra, bastaria com a infecção para fazer morrer todos os homens.

E ainda há insensatos que dizem: “Se for para o inferno, não me hei de achar só”. Infelizes, quantos mais lá encontrarem, tanto mais sofrerão, por causa da infecção, dos gritos e do aperto, porque os réprobos estarão no inferno tão juntos uns dos outros, como ovelhas encerradas no curral durante a tempestade: Sicut oves in inferno positi sunt (Salm. 48, 15) – Como ovelhas são postos no inferno”. Para melhor dizer, serão como uvas esmagadas no lagar da cólera de Deus. – Daí nasce o suplício da imobilidade. Da maneira como o condenado cair no inferno no último dia, estará sempre, sem nunca poder mudar de situação, sem nunca poder mexer pés nem mãos, enquanto Deus for Deus.

II. No inferno será também atormentado o ouvido, pelos rugidos e queixas daqueles infelizes desesperados. Como não se sofre, quando se quer dormir e se ouvem os gemidos contínuos de um enfermo, o ladrar de um cão ou o choro de uma criança? Qual não será então o tormento dos condenados obrigados a ouvir incessantemente durante toda a eternidade estes ruídos e clamores insuportáveis?

O gosto será atormentado pela fome. O condenado sentirá uma fome canina: Famem patientur ut canes (Salm. 58, 15), mas nunca terá nem uma só migalha de pão. Terá uma tal sede, que nem todas as águas do mar bastariam para lh’a apagar; mas nem terá uma só gota. O mau rico pediu-a, mas nunca a obteve e nunca a obterá, nunca.

Aqui, Senhor, tendes aos vossos pés aquele desgraçado que tão pouco caso fez das vossas graças e dos vossos castigos! Ai de mim, se não tivésseis tido piedade! Quantos anos teria passado já nessa fornalha infecta, onde ardem tantos dos meus semelhantes! Ó meu Redentor, quanto este pensamento me abrasa no vosso amor! Como poderei no futuro pensar em Vos ofender? Ah, não! meu bom Jesus, nunca isso aconteça; fazei-me antes mil vezes morrer.

Já que haveis começado, acabai a vossa obra. Tirastes-me do lodaçal dos meus muitos pecados e convidastes-me a Vos amar. Fazei com que empregue o tempo, que ainda me dais, todo para Vós. Com que ardor não desejariam os condenados um dia, uma hora desse tempo, que me concedeis! E eu continuarei a consumi-lo em coisas que Vos desagradam? Não, meu Jesus, peço-Vos, pelos merecimentos de vosso Sangue, que não o permitais. – Amo-Vos, soberano Bem, e porque Vos amo, pesa-me de Vos haver ofendido. Não quero mais ofender-Vos, mas sim, amar-Vos sempre. – Minha Rainha e minha Mãe, Maria, rogai a Jesus por mim, e obtende-me o dom da perseverança e do seu santo amor. (II 118)


LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Segundo: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 128-130.